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Lei Antifumo Paulista aprovada completa 15 anos de benefícios à saúde pública

Aprovada pela Alesp no dia 7 de maio de 2009, norma foi responsável pela redução de até 30% das complicações...

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Aprovada pela Alesp no dia 7 de maio de 2009, norma foi responsável pela redução de até 30% das complicações decorrentes da fumaça do cigarro no Estado

Há exatos 15 anos, o Estado de São Paulo ganhava uma das leis mais revolucionárias de sua história. Aprovada pela Assembleia Legislativa em maio de 2009, a Lei Antifumo Paulista (Lei n° 13.541/2009) foi a primeira em nível estadual no país e transformou a cultura do consumo de tabaco no Brasil.

“Nós tivemos a benção de ter um governador do Estado de São Paulo chamado José Serra. Ele teve a coragem e hombridade de propor um projeto de lei dessa envergadura, enfrentando um dos mais importantes e fortes trustes mundiais, que é a indústria do tabaco”, comentou o deputado Barros Munhoz (PSDB), que foi relator do projeto e, na época da aprovação, estava presidente da Casa.

A Lei, criada pelo ex-governador, proibiu o consumo de cigarros, charutos e outros tipos de fumígenos em ambientes de uso coletivo, públicos ou privados, que sejam total ou parcialmente fechados. Antes da norma, era comum que os estabelecimentos contassem com ambiente para fumantes e não-fumantes.

“Quando você não fuma, conviver com o cigarro não é legal, aquele cheiro parece que vai grudar em você. E o cigarro e a fumaça nunca respeitaram essa área de isolamento”, disse Cícero Silvestre, 54, garçom de um restaurante próximo à estação Butantã do metrô, na zona oeste de São Paulo. Ele trabalha há 35 anos em restaurantes e, apesar de ter sido fumante, admite que a fumaça também o incomodava.

“A fumaça quando subia pegava um pouquinho na garganta, mas, como a gente estava trabalhando, não poderia recusar, era o nosso ganha pão”, afirmou. “Não faz o menor sentido fumar em ambiente fechado, sou totalmente contra e, agora que não fumo, prefiro ficar distante do cigarro”, completou Cícero.

Chegada à Alesp

Projeto de Lei n° 577/2008 chegou à Alesp em meio a discussões sobre o consumo do cigarro e os impactos para os fumantes passivos, que não escolheram fumar, mas conviviam com a fumaça em ambientes fechados.

“A proibição do tabagismo vem ao encontro da preservação do bem-estar geral do consumidor. Mostra-se imprescindível a edição de normas que assegurem ao consumidor a defesa do seu direito de não ser exposto ao tabagismo passivo, notoriamente nocivo e grave. Trata-se, enfim, de passo decisivo no sentido de propiciar melhores condições de saúde à população paulista”, justificou o Executivo no texto do projeto.

Barros Munhoz, que na chegada do PL à Casa era líder do governo, contou que recebeu um pedido de Serra para que focasse na aprovação do projeto. “Houve muita pressão, muita intervenção, muita discussão. Foi o segundo projeto mais difícil que eu tive como líder de governo. No primeiro, que foi a extinção do Ipesp [Instituto de Previdência do Estado de São Paulo], ele me disse: eu quero que você largue tudo, você vai fazer uma coisa só, prioridade total. A mesma coisa aconteceu com relação ao cigarro, uma reação inicial gigantesca que depois foi acabando, porque nada resiste ao diálogo”, narrou o deputado.

Entre a chegada do PL e sua aprovação, se passaram quase 6 meses de tramitação na Casa. Nesse período, além da articulação política, foi realizada uma grande audiência pública para debater a proposta. No dia 31 de março de 2009 estiveram presentes no Plenário Juscelino Kubitschek para defender a proposta o médico oncologista Drauzio Varella, a médica do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas de São Paulo, Jaqueline Issa, e a também oncologista Nise Yamaguchi, à época representando o Ministério da Saúde.

“O Drauzio deu uma verdadeira aula, foi extremamente importante. Ele chamou atenção para a situação do fumante passivo, que é aquele que estava no restaurante e não tem nada a ver com a vida do outro, mas que recebe fumaça de quem fuma”, relatou Barros, que presidiu aquela Sessão.

Contrários à norma, compareceram representantes do setor de bares, restaurantes e hotéis e do setor de turismo. Eles alegaram que a proibição poderia diminuir o fluxo de clientes nos estabelecimentos.

No dia 7 de abril do mesmo ano, o projeto foi aprovado pela Alesp por 69 votos a favor e 18 contra, acatando três emendas apresentadas pelos parlamentares. Exatamente um mês depois, o governador sancionou a primeira lei do país que proibia o fumo em ambientes fechados.

A norma serviu de inspiração para governadores e prefeitos ao redor do Brasil, que começaram a produzir propostas semelhantes, até que, em 2011, o Congresso Nacional aprovou uma Lei Federal sobre o tema. Apenas com um decreto de dezembro de 2014, a norma foi devidamente regulamentada em todo o território brasileiro.

Danos do cigarro

Hoje em dia, é amplamente sabido que o cigarro faz mal à saúde. O médico pneumologista do Incor, Ubiratan Santos, explicou que os estudos mais sólidos sobre o tema surgiram em meados do século passado. De acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde, morrem, por ano, mais de 8 milhões de pessoas por complicações causadas pela fumaça do cigarro, sendo 1,2 milhão desses fumantes passivos.

Entre as complicações causadas pelo fumígeno estão doenças cardiovasculares, como o infarto, acidente vascular cerebral e a arritmia cardíaca, o enfisema pulmonar, a bronquite crônica, entre as doenças que afetam os pulmões, além dos cânceres, que podem ir desde o câncer de pulmão, o mais comum, até cânceres como o de pâncreas, rins, garganta, laringe, esôfago, estômago e leucemia.

“A substância penetra pelo pulmão, passa para a corrente sanguínea e atua em todos esses órgãos. É isso que causa a morte a longo prazo de quem inala a fumaça do cigarro”, explica Ubiratan.

Essas mesmas enfermidades atingem aqueles que fumam passivamente, os principais motivadores da nova lei. “Se você convive com uma pessoa que fuma um maço de cigarro por dia, você tem o risco de 40% de ter infarto agudo do miocárdio e 30 a 40% de ter câncer de pulmão”, aponta o especialista.

O médico ainda explica que as principais complicações em não-fumantes estão relacionadas ao sistema cardiovascular. “Com 15 minutos de inalação da fumaça, a viscosidade do sangue aumenta, as plaquetas, que fazem parte do mecanismo de coagulação, se agregam e podem causar infarto ou AVC, ainda mais se a pessoa já tiver algum problema coronariano”, detalhou.

Impactos

Levando em conta estudos realizados no exterior, Ubiratan estima que a Lei Antifumo Paulista trouxe uma redução de 20% a 30% nos eventos cardiovasculares no Estado. “Isso vale tanto para quem nunca fumou quanto para fumantes, porque, com a proibição de fumar em ambientes fechados, as pessoas tinham menos horas do dia para fumar e começaram a fumar menos cigarros. Além disso, começaram a fumar menos no interior das casas, em função da proibição de fumar dentro do trabalho, do clube, do restaurante. Acabou se importando parcialmente isso para dentro dos domicílios”, afirmou.

Além de proteger os fumantes passivos que desenvolviam os problemas causados pela fumaça do cigarro alheio, o principal mérito da nova lei foi a mudança de hábitos entre os próprios fumantes. O deputado Barros Munhoz contou da época em que ele próprio fumava e via colegas de Assembleia tabagistas que começaram a ter mais dificuldade para poder fumar.

“A pessoa vai desacostumando, no trabalho, é proibido, chega no restaurante, é proibido. Além disso, houve uma grande mobilização contra o fumo e, hoje, todo mundo tem consciência da gravidade do cigarro. Por isso eu vejo que esse projeto do Serra foi tão bom, que evitou que muita gente entrasse no que eu entrei”, argumentou o parlamentar.

Na mesma linha, a cirurgiã dentista e integrante da coordenação da Política Estadual de Controle do Tabaco, Sandra Silva Marques, classifica a Lei como um importante marco regulatório.

“É uma mudança da cultura, do que é fumar e o que isso impacta não só no usuário, mas no tabagista passivo e no meio ambiente. Entre as principais formas de inibir o consumo, como a tributação, as advertências sanitárias, a educação e a prevenção, ela é uma das mais efetivas, porque trouxe essa mudança de comportamento social para o uso da nicotina”, afirmou.

Uma emenda incorporada pela Assembleia Legislativa de São Paulo foi essencial para que essa cultura fosse alterada. Apresentada pelo ex-deputado Paulo Alexandre Barbosa, o artigo obrigou que o Executivo fizesse uma ampla campanha educativa antes que as sanções começassem a ser aplicadas. Além da divulgação, antes mesmo da lei vigorar, o Estado fez blitze educativas em bares e restaurantes para orientar os proprietários.

“Quando tem uma lei com uma fiscalização importante em vários restaurantes você acaba criando uma curiosidade e aumenta o conhecimento das pessoas sobre os riscos do tabaco, aumentou a percepção dos malefícios da fumaça do cigarro”, comentou o pneumologista Ubiratan Prestes.

Por João Pedro Barreto, – Fotos: Rodrigo Romeo

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