Na busca por um mundo mais sustentável, a carne cultivada em laboratório vem ganhando espaço. Composta por células animais, mas produzida em ambientes controlados, ela se parece com a que consumimos tradicionalmente e é uma aposta para a necessidade de alimentos que o mundo poderá enfrentar com as mudanças climáticas e o desgaste do meio ambiente.
“Como enfrentaremos a demanda por alimento em um futuro próximo? Soluções inovadoras e sustentáveis são a base para qualquer progresso, por isso hoje falamos tanto em alternativas, como a carne cultivada em laboratório”, destaca Luiza Mimura, especialista de produtos na Eppendorf do Brasil, que produz tecnologia que cria um ambiente ideal para o crescimento de células-tronco, como os biorreatores empregados no cultivo da carne.
Como esse novo produto surgiu?
Nas últimas duas décadas, as células-tronco cumpriram sua promessa de transformar a ciência, principalmente na área de saúde, auxiliando no tratamento de leucemia e de outras doenças. Mais recentemente, com o avanço das pesquisas, a técnica está cada vez mais preparada para revolucionar também a indústria de alimentos e vem sendo usada para substituir outros produtos tradicionais, como o couro utilizado na indústria têxtil.
Como a carne é cultivada em laboratório
As células-tronco são isoladas através de uma pequena biópsia de um animal vivo — escolhido com base na carne que está sendo produzida. Depois disso, elas são cultivadas em condições especiais e estimuladas a se diferenciar entre músculo ou gordura, ou outros tipos de células. Após esta etapa, são colhidas e montadas em um tecido que se assemelha à carne com a ajuda da engenharia de tecidos.
Brasil sai na frente com a produção de pescado
O Brasil pode se tornar pioneiro na comercialização da carne de peixe criada em laboratório. E o caminho já está sendo trilhado pela startup carioca Sustineri Piscis, que obteve, no início deste ano, a primeira bioprodução da carne de pescado por meio do cultivo celular no Brasil, a partir da biópsia de quatro espécies comerciais de peixe (garoupa, cherne, robalo e linguado). O objetivo é iniciar a produção industrial e a comercialização a partir de 2023.
“Trata-se de uma alternativa mais sustentável que não vai substituir, e sim acrescentar. Além da economia de água e espaço para criadouros, é um caminho viável para garantir a sobrevivência de espécies ameaçadas de extinção. A carne de pescado em laboratório pode ser produzida em qualquer lugar, evitando, assim, grandes deslocamentos e até o congelamento da carne”, garante o biólogo marinho Marcelo Szpilman, fundador da Sustineri Piscis.
Afinal, a carne cultivada em laboratório faz mal à saúde?
Muito pelo contrário, segundo especialistas. A carne cultivada em laboratório tende a ser mais saudável do que a adquirida na pecuária, já que o cultivo das células é controlado, e até mesmo a administração de antibióticos é feita na medida certa para evitar a contaminação. Por outro lado, na criação de gado convencional, muitas vezes, há um consumo muito grande de medicamentos e outras substâncias que podem ser nocivas ao ser humano. Outra questão é o desenvolvimento do sabor e o valor nutricional do produto. Muitos estudos estão em andamento para a produção de carnes mais complexas, como um bife, que tem uma textura e sabor diferentes de um hambúrguer, por exemplo.
“Os avanços nas tecnologias e em pesquisa permitirão que esses novos produtos cheguem em um curto espaço de tempo às prateleiras do nosso supermercado favorito. Poucos anos se passaram desde a fabricação de um hambúrguer no laboratório. O consumo e a produção em grande escala permitirão que o custo de produção e do produto final sejam acessíveis”, afirma Luiza Mimura, que frisa ainda que a crescente conscientização sobre os benefícios da carne cultivada vem ajudando bastante a aumentar a aceitação social do produto.
O que falta para a comercialização de carne cultivada em laboratório
Alavancar a produção de biorreatores e aperfeiçoar as condições que permitem a produção em longa escala seriam as chaves para levar a carne cultivada aos supermercados. Biorreatores são equipamentos capazes de transformar matérias-primas em produtos, utilizando agentes biológicos como células, enzimas ou microrganismos. Eles são capazes de controlar temperatura, pressão, pH, agitação, espuma e outros parâmetros.
Por Fred D`Amato