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Comportamento : Testamento do futuro

Desde o início desta pandemia causada pelo novo coronavírus, ouvimos alguém dizer que vai passar e que, depois da tragédia,...

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Desde o início desta pandemia causada pelo novo coronavírus, ouvimos alguém dizer que vai passar e que, depois da tragédia, tudo voltará ao normal, exatamente como era antes. É preciso parar com isso. Pelo contrário, cabe-nos a mais pura e simples consciência desta nova realidade que não deve ser mudada, muito menos para pior.

A pandemia é um mal que, embora irreparáveis perdas, trouxe algum bem. Muita coisa mudou para como sempre deveria ter sido. Vejamos, de maneira cartesiana e justa para com os fatos, o que a crise tem ensinado. União familiar em torno da mesa para as refeições, e todos ajudando a lavar a louça depois. Há menos poluição, o céu está mais limpo, as águas e a terra idem. Os índices de furtos e roubos estão abaixo das médias anteriores. O trânsito ficou civilizado, acidentes e mortes registram os mais baixos números de todos os tempos.

Trabalhadores antes invisíveis, não valorizados, agora merecem aplausos por seus desempenhos. Os chamados “lixeiros”, tornaram-se “coletores” e recebem o respeito dos cidadãos que, ao contrário do passado, empacotam resíduos de maneira correta e os colocam nas portas no exato horário da coleta. Melhor, esperam o caminhão passar e cumprimentam, com gratidão, os profissionais da limpeza pública.

Nas diferentes unidades de atendimento do SUS, clínicas e hospitais todos os serventes, recepcionistas, motoristas de ambulâncias, enfermeiros, laboratoristas, técnicos de imagem, nutricionistas, paramédicos e médicos passaram a merecer o mais emocionado reconhecimento. E também os balconistas e os farmacêuticos das drogarias, os atendentes, repositores e os caixas dos supermercados.

Os cozinheiros dos restaurantes, até então apenas atrás dos renomados chefes, hoje também são lembrados nos pratos que fazem para viagem. Os ciclistas e motoqueiros que entregam alimentos prontos e compras de supermercado são bem tratados por todos os que dependem de sua atuação, confinados que estão em suas casas pelas recomendações das autoridades. As empregadas domésticas, motoristas, jardineiros, especialistas em elétrica, hidráulica, eletrônica, serralheria e outros serviços técnicos são admirados como nunca, afinal ficou bem claro quem faz tudo isso.

As milhares de pessoas que atuam na indústria têxtil e de confecções, atualmente mais dedicadas à produção de máscaras, foram descobertas pela maioria da sociedade. Os trabalhadores rurais que produzem alimentos, a cada pedaço de fruta, prato de arroz e feijão, verdura e legume, qualquer tipo de carne, são referenciados com carinho. E os caminhoneiros, aqueles mesmos da greve de 2018 na denominada Crise do Diesel, então estigmatizados por saírem do anonimato e defenderem seus direitos, ressurgem na relevância do seu ofício.

Alguns políticos ainda batem boca gerando inoportunas polêmicas, empenhados em demonstrar supostos méritos, esquecendo das suas responsabilidades para com a população, mas sempre de olho nas próximas eleições. Entretanto, por incrível que pareça, em alguns parlamentos do País foram aprovadas reduções de salários e benefícios. Outro avanço que não deve retroagir no futuro.

A grande maioria da sociedade, de empresários aos mais simples cidadãos, está mostrando — na prática e não no discurso — a índole do brasileiro. Temos sido generosos, solidários, participativos na luta para evitar mais mortes e miséria econômica. Claro que ainda há muito a mudar, a aprender com as lições da pandemia. Entretanto, é preciso preservar todas as conquistas que a grave dor das perdas trouxeram a todos nós, ao País.

Queremos, para o futuro, deixar um testamento com o que de melhor surgiu de nós mesmos frente ao desafio da pandemia. Nada de “voltar à normalidade, tudo ser como antes”. Vamos manter cada uma destas conquistas, e que outras mais aconteçam e se tornem parte real de nossas vidas. Por você, por nós, pelo Brasil!

Por: Ricardo Viveiros, jornalista, escritor e professor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Membro Honorário da Academia Paulista de Educação (APE) e autor, entre outros, dos livros: “A vila que descobriu o Brasil” (Geração), “Justiça seja feita” (Sesi) e “Educação S/A” (Pearson)

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