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ESTUDO: Dois anos após a aprovação do marco legal do saneamento, 30 milhões de brasileiros ainda vivem em municípios com contratos irregulares e mais de 70% dessa população não possui coleta e tratamento de esgoto

Instituto Trata Brasil lança estudo inédito sobre o balanço do setor dois anos após a aprovação do Novo Marco Legal...

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Instituto Trata Brasil lança estudo inédito sobre o balanço do setor dois anos após a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento

Dois anos se passaram desde a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026), em 15 de julho de 2020, que gerou esperanças para o avanço do saneamento básico no país ao estabelecer novas diretrizes para o setor. O Brasil avança lentamente no sentido da universalização: a ausência de acesso à água tratada atinge quase 35 milhões de pessoas e 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto, refletindo em centenas de pessoas hospitalizadas por doenças de veiculação hídrica. Os dados do SNIS 2020 apontam que o país ainda tem uma dificuldade com o tratamento do esgoto, do qual somente 50% do volume gerado é tratado — isto é, mais de 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas na natureza diariamente.

O Novo Marco Legal do Saneamento contribui para constituição de uma base legal que incentiva os investimentos no setor, visando aumentar a oferta do serviço para uma gama maior da população. Suas principais alterações podem ser sintetizadas em cinco principais pontos: (i) definição de metas para universalização dos serviços até 2033, garantindo que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto; (ii) aumento da concorrência pelo mercado com vedação a novos Contratos de Programa; (iii) maior segurança jurídica para a privatização de companhias estatais; (iv) estímulo à prestação regionalizada dos serviços e; (v) criação de um papel de destaque para a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) na regulação dos serviços.

Diante desse cenário, o Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, divulga o estudo inédito “Avanços do Novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil — 2022 (SNIS 2020)”, com o objetivo de avaliar o estágio de implementação e os impactos socioeconômicos que poderão ser promovidos pela Lei nº 14.026/2020 — o Novo Marco Legal do Saneamento Básico.

BALANÇO: DOIS ANOS DA APROVAÇÃO DO NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO BÁSICO

O estudo destaca dois pontos previstos pelo Novo Marco Legal que aconteceram nos anos seguintes a sua aprovação: a apresentação da capacidade econômico-financeira para a universalização dos serviços até 2033, principalmente pelas concessionárias estaduais; e a formação de blocos regionais de prestação dos serviços de água e esgotamento sanitário.

Capacidade econômico-financeira
Dos 3,9 mil municípios que deveriam apresentar a documentação da capacidade econômico-financeira, segundo Decreto 10.710/2021, que tinha como prazo 31 de dezembro de 2021, 1,1 mil municípios, quase um terço desse grupo, sequer apresentou a comprovação ou foi considerado irregular pelas respectivas agências reguladoras. 2,4 mil (cerca de 62%) estão em situação absolutamente regular e 325 foram considerados regulares, mas com alguma espécie de restrição.

Tabela 1 – Indicadores de Atendimento, Investimento e Perdas por Condição dos Contratos

Condição do Contrato Regular ¹ Irregular² Média Brasil

Cobertura de Água Urbana³ 94,4% 81,1% 93,3%

Total4 85,0% 64,4% 84,0%

Cobertura de Esgoto Urbana5 66,2% 38,8% 63,2%

Total6 58,4% 29,1% 55,0%

Tratamento de esgoto7 53,4% 37,3% 49,9%

Investimento/Pop. Total8 99,24 48,85 78,74

Índice de Perdas na Distribuição9 36,2% 50,3% 40,1%

População (em 2020) 107.965.751 28.918.245 208.553.155

Número de Municípios 2.729 1.141 5.570

Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados.

Municípios com capacidade econômico-financeira comprovada são aqueles com melhores indicadores de atendimento de abastecimento de água e de esgotamento sanitário e chegam a investir R 50,39 a mais por habitante em relação aos municípios irregulares.

Os municípios com contratos em situação irregular são justamente os que mais precisam despender recursos e investir em expansão de rede visando à universalização. São quase 30 milhões de brasileiros nessas localidades e seus indicadores de atendimento de água e esgoto estão bem distantes da média nacional. A população com acesso à água nesses municípios teria que passar de 64,4% para 99% e a cobertura de esgoto teria que subir de 29,1% para 90% até 2033 para se alcançar a universalização prevista no Novo Marco Legal do Saneamento.

Imagem 1 – Municípios Brasileiros de Acordo com a Classificação de Regularidade ao Decreto 10.710/2021

Fonte: ANA. Elaboração: GO Associados.

Como é possível observar no mapa, a maioria das cidades em situação irregular concentram-se nos estados do Norte e do Nordeste do Brasil, justamente aqueles que concentram a maioria das companhias estaduais que não apresentaram a documentação exigida pelo Decreto 10.710/2021. Por consequência, são estes os estados que se concentram a maior parte da população que reside em municípios em situação irregular.

Tabela 2: Percentual da População dos Estados de Acordo com a Classificação dos Municípios

UF Não Se Aplica Regular Regular c/ Restrição Parcialmente Regular Irregular Total

AC 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 100,0%

RR 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 100,0%

MA 24,9% 0,0% 0,0% 0,0% 75,1% 100,0%

PA 34,5% 0,0% 0,0% 0,0% 65,5% 100,0%

PB 2,3% 32,5% 0,0% 0,0% 65,3% 100,0%

PI 36,3% 0,0% 0,0% 0,0% 63,7% 100,0%

RN 4,0% 58,2% 0,0% 0,0% 37,8% 100,0%

BA 11,0% 56,4% 0,0% 0,0% 32,6% 100,0%

RO 30,0% 51,0% 0,0% 0,0% 19,0% 100,0%

GO 6,7% 75,1% 0,0% 0,0% 18,2% 100,0%

AM 88,2% 0,0% 0,0% 0,0% 11,8% 100,0%

TO 89,1% 0,0% 0,0% 0,0% 10,9% 100,0%

SE 9,1% 81,7% 0,0% 0,0% 9,2% 100,0%

RJ 90,9% 0,0% 0,0% 0,0% 9,1% 100,0%

PE 2,3% 91,1% 0,0% 0,0% 6,6% 100,0%

PR 7,2% 88,3% 0,0% 0,0% 4,6% 100,0%

AL 84,7% 11,8% 0,0% 0,0% 3,5% 100,0%

SC 52,7% 7,3% 36,4% 0,0% 3,5% 100,0%

MG 27,8% 40,6% 24,8% 4,1% 2,7% 100,0%

ES 26,5% 71,0% 0,0% 0,0% 2,6% 100,0%

MS 37,1% 60,8% 0,0% 0,0% 2,1% 100,0%

RS 33,5% 64,7% 0,0% 0,0% 1,9% 100,0%

CE 13,9% 85,8% 0,0% 0,0% 0,3% 100,0%

SP 31,9% 68,0% 0,0% 0,0% 0,2% 100,0%

AP 100,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0%

DF 100,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0%

MT 99,4% 0,6% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0%

Total 34,4% 47,6% 3,8% 0,4% 13,9% 100,0%

Fonte: ANA. Elaboração: GO Associados.

Enquanto 13,9% da população brasileira reside em municípios irregulares quanto a prestação dos serviços de saneamento de acordo com o Decreto 10.710/2021, este índice é superior a 60% em estados como Maranhão, Pará e Piauí, chegando a 100% dos municípios nos casos do Acre e de Roraima.

Regionalização

Os municípios têm até 30 de novembro de 2022 para possuírem lei aprovada com regionalizações de saneamento básico, que podem ser estruturadas de três maneiras: Região Metropolitana, Unidade Regional de saneamento básico e Bloco de Referência. Três estados (Acre, Pará e Tocantins) sequer protocolaram Projeto de Lei (PL) junto ao seus respectivos legislativos, e outros três (Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais) ainda aguardam a tramitação desses PL junto às suas Assembleias Legislativas.

INVESTIMENTO NECESSÁRIO PARA UNIVERSALIZAÇÃO

Há um longo caminho entre o atual patamar dos indicadores de atendimento e aqueles previstos no Novo Marco Legal do Saneamento Básico. O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), encontrou uma necessidade de cerca de R 507 bilhões para se atingir a universalização até 2033, a preços de dezembro de 2020.

Estes valores não consideraram os investimentos realizados nos anos de 2019 e de 2020, que correspondem a aproximadamente R 19,9 bilhões e R 16,1 bilhões, respectivamente, a preços do mesmo período. Ao subtraírem-se estes investimentos do montante calculado no Plansab, restam ainda R 471 bilhões a serem investidos.

Dividindo, portanto, o montante restante à universalização por 13 anos (período compreendido entre 2021 e 2033), obtém-se uma média anual de investimentos de R 36,2 bilhões. Para fins de comparação, o investimento médio dos últimos cinco anos disponíveis no SNIS (2016-2020), a preços de dezembro de 2020, equivale a aproximadamente R 17,1 bilhões, o que significa que o investimento anual precisaria mais do que dobrar não somente em 2021, mas em todos os anos subsequentes para a universalização ser possível até 31 de dezembro de 2033, conforme previsto no Novo Marco Legal do Saneamento Básico.

Segundo o estudo “Quanto custa universalizar o saneamento no Brasil?”, desenvolvido pela consultoria KPMG em julho de 2020, a necessidade de investimento calculada, a preços de dezembro de 2020, é de R 993 bilhões, valor bastante superior ao do Plansab.

Ao subtrair os investimentos de 2019 e de 2020, obtêm-se R 957 bilhões que ainda precisariam ser investidos para se atingir a universalização, um investimento médio anual de aproximadamente R 73,7 bilhões entre 2021 e 2033, o que significa que o investimento precisaria mais do que quadruplicar a partir de 2021.

EFEITOS SOCIOECONÔMICOS DOS INVESTIMENTOS EM SANEAMENTO BÁSICO

Os investimentos no saneamento geram impactos positivos em diversos setores, resultando em ganhos para economia brasileira. Levando em consideração o cenário de investimento do Plansab, R 36,2 bilhões anuais para se alcançar a universalização, a economia brasileira potencialmente se beneficiará com um crescimento do PIB de aproximadamente R 45,5 bilhões anualmente.

Estes resultados se tornam ainda mais impressionantes quando se leva em consideração outras variáveis macroeconômicas, como arrecadação tributária e emprego. O valor investido tem potencial para gerar um aumento na arrecadação tributária de mais de R 2,9 bilhões anuais e proporcionar ao mercado de trabalho a criação de 850 mil novos postos de trabalho permanentes.

LEILÕES, PARCERIAS E CONCESSÕES NO SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO

Fica evidente a necessidade de que ocorra um salto nos investimentos necessários para se alcançar as metas de universalização até 2033. Os leilões, parcerias e concessões demonstram ser um caminho para que ocorra a ampliação da capacidade de investimento no setor e a utilização eficiente dos recursos públicos. Desde 2020, o BNDES participou da elaboração das licitações de importantes projetos de concessão no setor de saneamento, como o leilão dos blocos 1, 2, 3 e 4 da concessão dos serviços de água e esgoto no Rio de Janeiro, os blocos A, B e C em Alagoas e a concessão dos serviços no estado do Amapá. Nos próximos anos, o banco prevê a licitação de importantes projetos de saneamento, principalmente em estados com baixos índices de cobertura dos serviços prestados, como no Ceará, Paraíba e Rondônia.

É importante ressaltar que, entre 2016 e 2020, o investimento total em saneamento foi de R 86,22 bilhões. O investimento no período de cinco anos demonstra o esforço que ainda precisa ser feito para se alcançar o investimento ideal para universalização.

Tabela 3: Investimento por Estado Segundo o Destino de Aplicação (R MM)

UF Gestão Água Esgoto Total

AC 9,21 123,85 85,11 218,17

AP 22,55 10,35 1,30 34,19

AM 262,57 379,60 149,95 792,12

PA 91,55 911,50 104,47 1.107,51

RO 87,97 190,53 37,79 316,29

RR 22,55 22,92 290,00 335,48

TO 106,39 357,75 363,28 827,43

Norte 602,78 1.996,50 1.031,91 3.631,18

AL 41,15 281,86 30,15 353,16

BA 650,43 1.806,37 1.208,83 3.665,63

CE 24,35 990,87 338,15 1.353,38

MA 191,90 743,93 110,67 1.046,50

PB 276,95 626,91 119,03 1.022,89

PE 532,99 2.403,58 1.877,10 4.813,67

PI 114,36 326,19 107,87 548,41

RN 1.662,68 489,83 692,02 2.844,54

SE 25,15 338,86 465,20 829,21

Nordeste 3.519,95 8.008,41 4.949,02 16.477,38

ES 178,11 735,10 945,40 1.858,61

MG 983,83 2.575,54 2.210,82 5.770,19

RJ 317,18 2.284,23 1.717,21 4.318,62

SP 7.380,01 14.475,92 11.225,84 33.081,76

Sudeste 8.859,12 20.070,79 16.099,28 45.029,19

PR 686,98 2.713,33 3.007,25 6.407,55

RS 528,51 1.267,65 1.492,87 3.289,03

SC 360,52 1.404,39 2.146,54 3.911,46

Sul 1.576,01 5.385,37 6.646,65 13.608,04

DF 295,61 845,38 580,31 1.721,30

GO 580,97 759,46 1.314,31 2.654,75

MS 122,06 842,29 649,49 1.613,85

MT 207,09 774,23 502,26 1.483,58

Centro-Oeste 1.205,73 3.221,36 3.046,37 7.473,47

Brasil 15.763,59 38.682,43 31.773,24 86.219,26

Fonte: SNIS. Elaboração: GO Associados.

CONCLUSÃO

“O estudo deixa claro que os investimentos no setor precisam evoluir consideravelmente para que se possa cumprir as metas estabelecidas no Novo Marco Legal do Saneamento. Dois anos após a aprovação do Marco, é possível avaliar uma mudança de cenário, principalmente com os investimentos garantidos por meio dos leilões, concessões e parcerias no setor. Entretanto, ainda é necessário a busca de soluções para municípios com contratos irregulares, cujos índices de saneamento são bastante precários. Investir em saneamento básico garante mais saúde e qualidade de vida para toda população” — Luana Siewert Pretto, Presidente Executiva do Instituto Trata Brasil.

“O estudo faz um balanço dos avanços no setor dois anos após a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento. O caminho pela frente é longo, principalmente para municípios ou estados em situação irregular, mas os ganhos são inquestionáveis” – Gesner Oliveira, sócio da GO Associados.

Giovanna Linck – Analista de Comunicação do Instituto Trata Brasil

imprensa@tratabrasil.org.br 

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